A Pátria, a Nação e o Estado que corporizam o Portugal que hoje somos resultaram de uma longa e muito diversificada construção histórica, cujo momento nodal aconteceu há novecentos anos atrás. Diferentemente do que pensamos nos nossos dias e do que a nossa sensibilidade cultural quase sempre sugere, a criação de um reino (e menos ainda de uma nação) não acontecia em resultado de um único sucesso, ainda que determinante. Por muito sedutora que nos possa parecer a ideia de uma fundação, ocorrida num tempo e num território concretos, este entendimento revela-se especialmente perigoso quando observamos e tentamos interpretar e compreender as realidades de passados tão longínquos. Como em muitos outros casos, também a constituição do reino de Portugal evoluiu através de um demorado processo histórico, dilatado no tempo e no espaço, e pautado por um sem número de conjunturas, de circunstâncias e de simples acontecimentos, tantas vezes fortuitos, que concorreram para um secular processo de formação, raramente linear. Dito por outras palavras, nada aconteceu de um momento para o outro e nada se ficou a dever apenas a um único facto, ou ator, por mais importantes que tenham sido. Tudo se desenvolveu numa estreita interação entre personagens diversas e circunstâncias distintas, como é apanágio de qualquer processo histórico. Resulta daqui que a compreensão mais próxima que podemos ter da realidade das primeiras décadas do século XII deverá integrar o conceito dinâmico e operativo de formação.
Neste sentido, celebrar o nono centenário de um acontecimento concreto, a saber, a Batalha de S. Mamede, travada a 24 de Junho de 1128, bem próximo de Guimarães, que resultou no afastamento da rainha D. Teresa e dos seus apoiantes e conduziu ao poder o jovem Infante Afonso Henriques, justifica-se plenamente, na medida em que veio a constituir-se em elemento decisivo da reconfiguração política do Noroeste hispânico, favorecendo o desenvolvimento de uma nova entidade política. Não é, pois, uma data menor na História de Portugal. É um facto esclarecedor, que nos permite ver e interpretar melhor a evolução de um território confinado entre o oceano e os distintos poderes de galegos, leoneses e muçulmanos. Nesta perspetiva, celebrar S. Mamede revela-se um pretexto excecional para refletir sobre Portugal e os portugueses. Entendemos ser este o fio condutor que deverá orientar todo o programa comemorativo. Refira-se que, à semelhança do próprio processo histórico, as comemorações configurarão um conjunto diversificado de iniciativas que, sugerindo a ideia de formação progressiva, possibilitarão revisitar momentos diversos da História de Portugal, articulados em torno da ideia maior de identidade ou identidades portuguesas.
Impõe-se dizer, por último, que dificilmente encontraríamos melhor espaço do que Guimarães para alicerçar o projeto que agora se enceta. A urbe vimaranense não constituiu apenas o principal centro político do Condado de Portucale nas primeiras décadas do século XII. Na realidade, representou e estabeleceu a relação fundamental entre a época portucalense que findava e o novo tempo português que começava. Nove séculos depois, Guimarães e os acontecimentos que aí ocorreram em 1128 podem legitimamente reivindicar e assumir-se, simbolicamente, como sinais primeiros de Portugal.